A opinião pública não existe - e a nossa, existe?
“Opinião pública não existe”, escreveu Pierre Bourdieu em 1973. Essa afirmativa deriva de três argumentos principais: pesquisas de opinião são enviesadas metodologicamente; a capacidade de reflexão necessária à formação de opinião não está ao alcance de todos; e grupos de interesse no campo de poder moldam o que conhecemos como “opinião pública”.
Se Bourdieu tem razão, nosso desafio é desenvolver nossa capacidade de reflexão. Os noticiários de jornais oferecem material didático farto sobre isso isso. A edição da Folha de São Paulo de 28/6/2025 ilustra bem o que costumeiramente fica subliminar ao mais visível. Três manchetes, em sequência, hoje pela manhã, construíam um roteiro sutil:
“Decisão do STF sobre big techs deixa cenário eleitoral em aberto e corrobora poder do TSE”
“Datafolha: 58% dizem ter vergonha dos ministros do STF; 30% falam em orgulho”
“Governo Tarcísio acusa Lula de 'sinais confusos' sobre acordo da Favela do Moinho”
As três manchetes são primorosas para sinalizar o que teremos na Folha para o processo eleitoral de 2026. Ao tempo que destaca a decisão do Supremo sobre o marco da internet, apresenta seu viés para o processo eleitoral de 2026, nas manchetes internas:1) “big techs rechaçam a decisão”; 2) “censura domina as redes após decisão”.
O Datafolha, vale lembrar, é um instituto de pesquisa (não científico) pertencente ao Grupo Folha. Dentro da lógica apontada por Bourdieu, é plausível supor que tais pesquisas e a seleção das pautas sirvam tanto para medir o humor social quanto para influenciá-lo — ou mesmo construí-lo.
Vale pensar na fragilidade metodológica da pesquisa sobre o Supremo. Há duas posições possíveis: orgulho ou vergonha. Pelo que aprendi com Eliot Aronson, em o Animal Social, a resposta para essa pesquisa estava dada: como o real é complexo, a nossa tendência é pela simplificação - o ruim do outro (não o nosso) vem primeiro.
Nesse contexto, é razoável supor que o arranjo das três manchetes não foi aleatório. Primeiro, destaca a decisão do STF, sinalizando o impacto político e reforçando o poder do tribunal sobre o processo eleitoral. Em seguida, apresenta a pesquisa de opinião que deslegitima as decisões do Supremo. E, na sequência, a crítica do governador Tarcísio a Lula, inserida como contraponto político.
Não há afirmações explícitas de favoritismo. O jogo, como em todo bom roteiro de construção simbólica, é sutil. Mas, ao final, o leitor menos atento sai da leitura com uma sensação alinhada: o Supremo aparece enfraquecido, o cenário político instável e Tarcísio desponta como voz ativa — ainda que de forma indireta.
Bourdieu teria razão ao posicionar a “opinião pública” como fantoche de jogo de interesses? Tudo indica que sim. Daqui a alguns dias, novas pesquisas podem “detectar” os efeitos dessa operação discreta sobre o senso comum.
Fica a pergunta: de onde vem, de fato, a nossa opinião?