Entre Ícaro e a Fênix: o impasse político e a chance de reconstrução
Desde a derrubada do decreto do IOF pelo Congresso, no fim de junho, o Brasil vive um novo impasse entre Executivo e Legislativo. Sem margem para o jogo da barganha, o governo mudou de estratégia: expor a composição do Congresso como expressão dos interesses dos mais ricos — o 0,1% da população que ganha mais de R$ 50 mil mensais — e dos defensores de privilégios.
A reação veio rápida, com alertas na grande imprensa contra uma possível “polarização social”. Mas, esse embate, longe do risco destrutivo, pode abrir espaço para reconstruções, sendo três as possibilidades de ganho social e político.
A retomada do sentido histórico de esquerda e direita
A divisão entre esquerda e direita tem origem na Revolução Francesa. Girondinos — representantes da alta burguesia — sentavam-se à direita da Assembleia, enquanto jacobinos — ligados à média e baixa burguesia — se posicionavam à esquerda. Os primeiros defendiam reformas graduais; os segundos, rupturas radicais na estrutura de poder e distribuição de riqueza.
Com o capitalismo, a direita abraça a defesa da liberdade de mercado e da propriedade e a esquerda assume as lutas por igualdade e direitos sociais. Essa disputa se reconfigurou ao longo da história, porém a disputa por projetos distintos de sociedade permanece como essência fundamental da luta entre esses dois lados.
A conscientização sobre o poder da manipulação
Mas vale um alerta: a informação de que a direita representa os interesses dos mais ricos nunca mobilizou os votos dos mais pobres para a esquerda. Por quê? Porque os setores dominantes detêm controle dos meios que moldam a percepção pública. As estratégias de manipulação da opinião sempre contaram com a difusão de estereótipos poderosos, tais como à direita, a liberdade, à esquerda, a igualdade com ameaça autoritária. Isso foi tão longe, que a extrema-direita se alimentou dessa falsa dicotomia para crescer e ameaçar as democracias do século XXI, desmontando direitos e destruindo espaços da política.
É nesse ponto que o confronto atual pode se tornar pedagógico. Quando o governo denuncia o Congresso como defensor de privilégios, tensiona a narrativa dominante e permite que parte da sociedade perceba a realidade encoberta: votamos, muitas vezes, contra nós mesmos. Como mudar?
Impasse e possibilidade de virada
Desde 2023, o Brasil está sob forças com projetos políticos distintos. De um lado, um governo identificado com pautas sociais; de outro, um parlamento conservador, com forte presença da extrema-direita. No passado recente, a governabilidade foi garantida por esquemas não republicanos como mensalão, petrolão, orçamento secreto, emendas fantasmas ou pix. Hoje, o modelo parece em colapso.
Empoderado por emendas impositivas, o Congresso alça voa, mas tal como Ícaro, pode cair alimentado pela ilusão de que não precisa mais negociar. Já o Executivo, como Fênix, tenta renascer de seus próprios limites: abandona a estratégia da conciliação a qualquer custo e aposta em denúncia pública.
Essa mudança tem potencial transformador. Ao questionar a representação política, lembrando que 90% da população ganha menos de R$ 8 mil por mês, o governo desafia tanto a direita, quanto a esquerda a falar com a maioria e desafia essa maioria a se reconhecer como protagonista da política.
O governo parece ter compreendido que o contexto exige enfrentamento. E nós, os 90%, como vamos agir para promover nova configuração do “nós contra eles”?