Desalento democrático: trapaça, medo e o avanço sombrio da extrema-direita

Em 13 de junho de 2025, Israel iniciou um ataque direto ao Irã, classificando-o de preventivo. Oito dias depois, em 21 de junho, os Estados Unidos bombardearam instalações nucleares iranianas, alegando não atacar o Irã, mas seu programa nuclear. Esses episódios marcam um novo ponto de virada geopolítico. Não apenas pelos riscos de ampliação do conflito, mas pela ameaça de uma nova lógica internacional, guiada pelo avanço da extrema-direita global, pela disseminação do medo e pela corrosão dos acordos históricos e das instituições democráticas.

O Irã, com seu programa nuclear e seu regime autoritário, representa, de fato, motivo de preocupação global. Nenhum democrata deve defender o atual governo iraniano. Mas a diplomacia estava em curso: o país é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares — algo que Israel nunca foi — e se submetia a vistorias internacionais. Ignorar esses fatos e reduzir a escalada da violência apenas à ameaça iraniana é ceder à narrativa irresponsável dos seus autores.

O governo de Israel simboliza há tempos riscos da radicalização da direita. Em 1995, o então premiê Yitzhak Rabin, Prêmio Nobel da Paz de 1994, foi assassinado por um extremista judeu por promover acordos com a Palestina. Antes de sua morte, protestos da extrema-direita o retratavam como traidor (usando roupas palestinas) e promoviam seu enterro simbólico em caixões. Segundo a BBC, três semanas antes do crime, um jovem de 19 anos apareceu em rede nacional com o emblema arrancado do carro de Rabin e ameaçou: “Chegamos ao carro dele, em breve chegaremos a ele também”. O jovem era Itamar Ben Gvir, atual Ministro da Segurança Nacional de Israel.

Poucos meses após o assassinato, Benjamin Netanyahu foi eleito premiê. Hoje, em seu sexto mandato, lidera um governo que comete crimes de guerra contra Gaza e coloca o mundo sob risco agora no Iran, junto com os Estados Unidos. Sob Trump, os EUA oferecem o retrato sombrio do nosso tempo: trapaça no lugar de política, prepotência em vez de diálogo e o uso da força como resposta a toda divergência. O ataque de 21/6/2025 não foi um ponto fora da curva, mas parte de uma estratégia que, disfarçada de “segurança internacional”, tenta redefinir as relações de poder, substituindo instituições democráticas pela imposição autoritária e autocrática. Os EUA não receberam mandato da ONU para agir - ou mesmo do próprio congresso estadunidense. Foi uma afronta até mesmo para as leis daquele país.

No Brasil, a cena do governador Tarcísio de Freitas erguendo bandeiras de Israel na Marcha para Jesus é um alerta para os brasileiros. Em vez de postura crítica diante da escalada internacional, o político oferece alinhamento à extrema-direita global e ignora que o judaísmo sequer reconhece Jesus como Messias, reduzindo a fé à trincheira ideológica e usando a religião como palanque e manipulação simbólica - se Jesus estivesse na Marcha, talvez repetisse o gesto de expulsar os mercadores do templo.

No horizonte, o desalento pode não ser o desfecho. O mal triunfa quando todos se calam. E o mundo talvez não se cale: jovens ocupam universidades pelo fim do genocídio em Gaza; mulheres palestinas resistem sob as bombas; grupos  religiosos progressistas, incluindo judeus e cristãos, denunciam o extremismo e defendem a compaixão e a paz como caminho para a humanidade.

Quem sabe o ponto de virada provoque inflexão da consciência a nível mundial? Improvável, mas se não houver disposição e comprometimento com a evolução humana, não existe sequer a possibilidade.

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