Entre força e fragilidade: o julgamento da trama golpista e o futuro da democracia
Hoje, 2 de setembro de 2025, inicia-se o julgamento da tentativa de golpe de Estado articulada por Jair Bolsonaro e seus aliados. Trata-se de um momento histórico e emblemático, que tensiona as fronteiras entre a força e a fragilidade das instituições democráticas. Os acontecimentos que se desenrolam no Supremo Tribunal Federal não se resumem a um ajuste de contas com a lei, mas constituem disputas profundas a respeito do futuro da democracia brasileira, sob o peso dos extremismos, dos interesses de grupos e dos desafios de nossa contemporaneidade.
Extremismos e a crise na perceção popular
O século XXI testemunha um retorno dos extremismos em roupagens modernas, onde a manipulação da opinião pública, o uso distorcido das redes sociais e a banalização da mentira tornam-se instrumentos de guerra simbólica em disputas sociais e políticas. No best-seller Como as democracias morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt demonstram que a democracia — regime que conjuga liberdade, pluralismo e soberania popular — vem sendo corroída por forças autoritárias que se valem dos próprios mecanismos democráticos. O risco, contudo, não pode ser reduzido a lideranças autoritárias: ele expressa uma crise mais ampla, de percepção das sociedades, de sentidos e de verdade.
O julgamento atual evidencia a tensão entre o cumprimento formal da lei e a instrumentalização da justiça por grupos de poder. Se é verdade que o sistema judiciário brasileiro responde aos ataques à ordem constitucional, também é fato que narrativas antagônicas entre grupos políticos, a ausência de debates apartidários consistentes e sinais de acordos de bastidor produzem percepções de seletividade e reforçam a polarização. Pesquisas de opinião recentes mostram uma divisão da sociedade brasileira em relação à possível condenação de Bolsonaro — com leve maioria favorável à responsabilização.
O caráter simbólico da punição
Esse é o ponto central do risco para as instituições democráticas. Como demonstra Michel Foucault em Vigiar e Punir, a aplicação da lei tem um caráter simbólico, ao projetar a possibilidade de a punição servir de exemplo coletivo quando os pactos fundados pelas leis são rompidos. No entanto, quando a sociedade se encontra dividida, o efeito simbólico se fragiliza: não há pacto comum a ser defendido, mas apenas lados em confronto, sustentados pelas forças de cada campo.
Entre a força e a fragilidade democrática
Apesar de todos os ataques, as instituições seguem funcionando à luz da Constituição brasileira. Isso representa força, mas também fragilidade: força porque o sistema permanece em pé, aplicando a lei; fragilidade porque a ausência de coesão social impede que o julgamento seja ancorado em bases republicanas robustas.
Outro fator crítico é a insuficiência de instrumentos que auxiliem a cidadania a se aproximar da verdade, mediada por fatos. Grande parte da população foi e continua sendo alimentada por desinformação e por distorções estruturais da vida política e institucional. Enquanto a democracia exige cidadãos críticos, ativos e bem informados, o que se observa é um contingente significativo capturado por narrativas reducionistas, articuladas por lideranças políticas, religiosas e econômicas. Assim, os movimentos que alimentaram a trama golpista seguem em curso, o que inviabiliza horizontes mais positivos para a democracia no curto prazo.
O desafio do futuro
A resposta não virá apenas dos tribunais. Dependerá de uma ação coletiva capaz de enfrentar os dilemas mais amplos do nosso tempo histórico. Em Nexus, seu mais recente livro, Yuval Harari aponta a urgência de agirmos sobre as redes de informação, criando mecanismos de controle de seu poder. A única forma de fazê-lo é por meio do fortalecimento de instituições sólidas, dotadas de mecanismos de autocorreção e efetivamente enraizadas na sociedade.
Nesse sentido, é fundamental que este julgamento seja atravessado com a defesa da solidez do Supremo Tribunal Federal. E, se necessário, que também seja uma oportunidade para apontar mecanismos de autocorreção dentro da própria instituição, para favorecer de fato, a democracia brasileira.