INSS: o golpe contra aposentados e o espelho de uma democracia fragilizada

O recente escândalo no INSS expõe, mais uma vez, a face cruel da corrupção sistêmica que assola a nossa democracia. As fraudes revelam, além do golpe bilionário contra uma população fragilizada, o funcionamento perverso de regras informais que coexistem com dispositivos legais e são amplamente conhecidas por agentes públicos e privados. No imaginário coletivo, predomina a crença de que “é assim que as coisas funcionam”.  

A auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), desencadeada por denúncias e crescimento anômalos de descontos de “mensalidades associativas”, evidenciou o crime. A Lei 8.213/1991 permite que entidades conveniadas com o INSS indiquem descontos em benefícios, comprovada a autorização expressa dos beneficiários. Pelo relatório publicado em 23/4/2025, da amostra de beneficiários avaliada, o percentual alarmante de 97,6% negou ter autorizado o desconto. Como o montante de descontos, no período analisado, ultrapassa R$ 6 bilhões, o potencial de desvio parece enorme. A Polícia Federal e a CGU estão agora em operação investigativa para punir os responsáveis.

A raiz da solução não é individual, mas coletiva

Individualmente, cada beneficiário pode — e deve — verificar os contracheques no app MEU INSS. Em caso de desconto indevido, cabe registrar reclamação na entidade associativa, exigindo ressarcimento, e formalizar denúncia no INSS ou no Fala BR.  Entretanto, a solução de fato é muito mais complexa.

De acordo com as normas, compete às entidades comprovar a autorização para o desconto; ao INSS, regular e checar a veracidade das comprovações; à CGU e ao TCU, fiscalizar; e à Polícia Federal, investigar. A dura realidade mostra que associações atendiam formalmente aos regulamentos; no avesso, estavam os crimes, fruto de conluio entre agentes públicos e privados. As instituições públicas que deveriam regular, gerir, controlar e fiscalizar não tiveram efetividade.

O escândalo agora midiatizado garante audiência para a imprensa e serve de estopim para a polarização política que cega o pensamento crítico. Grupos alinhados ao atual governo buscam explicações em regulamentos aprovados na época do governo Bolsonaro; apoiadores do ex-presidente veem, nos números crescentes de 2023 a 2024, sinal da culpa do atual governo. Nada mais longe da realidade do que a dupla cegueira.

A explicação está mais próxima da lógica da corrupção sistêmica: normas e procedimentos existem, mas o oportunismo e o crime se antecipam, falseiam, burlam e lucram dentro ou fora das leis. No caso, Auditoria interna do INSS, TCU e CGU tinham detectado o problema desde 2023. Medidas cautelares foram tomadas no início de 2024, mas não estancaram a sangria.

Como explicar que só agora, com relatório divulgado e investigação da PF, é que pessoas perdem cargos? Simples, quando desvelado o escândalo, o governo age. Ora, cargos são funções de confiança; e essa deveria ir embora com indícios. No jogo pragmático do oportunista/criminoso, ganhos parecem compensar custo, no Brasil.

É urgente a pactuação coletiva no modo de funcionamento das instituições e da sociedade. Mas um alerta, a solução não passa só pelo governo. Órgãos de controle são importantes, mas operam dentro do jogo reativo entre oportunismo/crime e investigação. Precisamos mais: é necessário um pacto ético e político pela superação da corrupção sistêmica, apoiado pela maioria das lideranças sociais, políticas e econômicas. Sem isso, continuaremos pagando a conta dos que naturalizam a esperteza e o crime como estratégias de poder.

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