Trump e a diplomacia da chantagem da extrema-direita: até onde vai o silêncio do mundo?
Em 1940, diante da ameaça nazista, Churchill não apenas enfrentou Hitler — enfrentou o próprio Parlamento britânico. Parte dos parlamentares defendia um acordo de paz para “preservar vidas” e “evitar destruição”. Na prática, significaria ceder à lógica nazista e aceitar uma posição submissa ao arranjo extremista. Churchill enxergou o que estava em jogo: o futuro da civilização democrática. Por isso, contra todas as pressões e perigos, pronunciou as palavras que entraram para a história: “Lutaremos nas praias, lutaremos nas colinas, nunca nos renderemos.”
Oitenta e cinco anos depois, a civilização democrática está sob ameaça e não há clareza de como o risco será enfrentado. A lógica intimidatória de Trump foi bem nominada de delinquência no Estado Democrático de Direito e de bestialidade do populismo autoritário no editorial da Folha de S. Paulo de 22/7. Trump abandona a diplomacia e recorre à intimidação — sua política internacional parte da convicção de que é o mais poderoso e que deve ser obedecido: curvem-se.
O mais grave é que os governos — em vez de enfrentarem esse autoritarismo de frente — estão aceitando a negociação bilateral e isolada, enfraquecendo os pilares do multilateralismo construído após a Segunda Guerra. A lógica de curto prazo, do “cada um por si”, entrega os trunfos coletivos ao autoritarismo. Ao evitarem confrontar Trump diretamente, as democracias corroem seus próprios fundamentos e naturalizam a chantagem como forma legítima de política internacional
A ameaça ao Brasil e possíveis crimes contra o Estado norte-americano
A carta enviada por Trump ao governo brasileiro evidencia, além da lógica da chantagem, outros dois graves problemas. Primeiro, contém uma mentira. Para justificar tarifas exorbitantes ao Brasil, o documento afirma que os Estados Unidos têm déficit comercial com nosso país — o que é comprovadamente falso. Nos Estados Unidos, mentir ao governo, em juízo ou em documentos oficiais, pode ser considerado crime. Em uma democracia funcional, haveria consequências. O segundo ponto é ainda mais grave: Trump usa a posição presidencial para defender interesses particulares — neste caso, os da família Bolsonaro. Em qualquer democracia, isso se configuraria como improbidade administrativa ou corrupção - instrumentalizar o aparato do Estado para beneficiar aliados.
No entanto, nenhuma reação institucional à altura veio dos Estados Unidos. Como alertou recentemente o Nobel de Economia Paul Krugman, esse gesto seria “motivo suficiente” para um impeachment. Segundo ele, mais um passo terrível na espiral de decadência daquele país.
No espelho brasileiro, a imagem a ser enfrentada
No Brasil, a reação não foi homogênea. A extrema-direita comemorou: o governador de São Paulo tentou justificar as medidas, culpando o governo brasileiro; parlamentares do PL posaram para fotos, com bandeira do Trump; e a família Bolsonaro celebrou o tarifaço como um troféu — ainda que pífio e traidor da pátria.
Mas a maioria, inclusive a direita democrática, compreendeu a gravidade do episódio e se manifestou com firmeza. Esse apoio deu base política para o governo brasileiro se posicionar, ancorado no Estado de Direito e na soberania nacional.
Mas nenhum país poderá ter sucesso, agindo sozinho. A lógica Trump é um marco: se naturalizado, abrirá caminho para outras chantagens, novas interferências e rupturas mais profundas. O momento duro exige coragem do mundo civilizado, como em 1940.