Relação simbólica entre sociedade e Estado: o que o Senado está cultivando?
Duas mulheres foram ao Senado nas últimas semanas. Marina Silva, dia 27/5, e Virgínia Fonseca, em 13/5. A forma como foram tratadas expõe muito mais do que posturas individuais dos senadores: revela disputas simbólicas profundas sobre os valores que estão sendo legitimados no espaço político. É nesse espelho que a sociedade precisa se olhar e se perguntar sobre o futuro que a aguarda.
Marina Silva, Ministra de Estado, foi convidada para prestar esclarecimentos à Comissão de Infraestrutura, em audiência pública no dia 27/5, e debater sobre estudos e reuniões conduzidos pelo Ministério do Meio Ambiente sobre a criação de quatro reservas marinhas na margem equatorial, no Amapá. O que se revelou, no entanto, foi menos sobre meio ambiente e mais sobre a degradação do debate público.
Virgínia, influencer do universo de apostas, foi convocada como testemunha na CPI das BETs. A sessão se transformou em espetáculo midiático, com vídeo gravado em meio à sessão, a pedido do Senador Cleitinho (Republicanos) e selfies sorridentes e interações informais que mais lembravam um talk-show do que apuração séria sobre risco de danos econômicos e sociais para a população brasileira.
A banalização da política
No caso da ministra, a exposição técnica, embasada e cuidadosa sobre as medidas de conservação — e sobre a compatibilidade entre preservação e desenvolvimento — foi recebida com deboche, interrupções e ataques pessoais. Não houve debate. Houve desprezo e agressividade. A ministra foi impedida de concluir suas falas, sofreu tentativas de silenciamento, desmoralização, e terminou sua participação constrangida pessoalmente pelos Senadores Omar Aziz (PSD), Marcos Rogério (PL) e Valério Plínio (PSDB).
Já a influencer foi recebida até mesmo com certa tietagem por parte de alguns senadores. Mesmo negando as acusações e provocando os parlamentares com ironia — se vocês quisessem resolver, já tinham proibido —, saiu ilesa. A audiência serviu de palco para ampliar o alcance de uma imagem pública que se associa ao consumo e à espetacularização da política.
As duas cenas, lado a lado, expõem os vetores que hoje disputam o sentido da política brasileira: de um lado, a lógica da política com responsabilidade, enfrentando temas complexos, como crise climática, desafio de compatibilizar economia e meio ambiente etc.; de outro, a lógica do entretenimento, da autopromoção e da blindagem de interesses privados em nome da “liberdade”.
A força da história
Diante desse cenário, vale lembrar a resposta altiva de Marina Silva para os senadores que tentavam desqualificar seus argumentos de defesa da compatibilidade entre desenvolvimento e meio ambiente:
“Perante a elite branca reacionária americana, Luther King era um derrotado. Perante o poder inglês, Gandhi era um derrotado. Perante o apartheid, Mandela era um derrotado. Mas a derrota ou a vitória a gente só mede na história. E eu tenho paciência. Não em mim mesma, mas no meu neto, no seu neto ou no neto de cada um que está aqui, a gente vai ver o quão acertado é proteger as bases naturais do nosso desenvolvimento.”
A frase é um manifesto! Enquanto a ministra reafirmava os compromissos civilizatórios da política, em alguns senadores ecoava a lógica da manipulação simbólica, da força bruta e da leviandade midiática. Quando se observa o perfil majoritário do Congresso atual ou os milhões de seguidores da influencer nas redes sociais, resta a pergunta: o que a história guardará de tudo isso? E sobretudo: o que ela cobrará de cada um de nós?