Desconfiança das Instituições, Crise de Legitimidade e  Extremismo Político 

Em 23 de janeiro de 2016, Donald Trump afirmou: “Eu poderia parar na metade da Quinta Avenida, disparar contra as pessoas e não perderia eleitores...” (1). A declaração ilustra a surpreendente lealdade que ele conseguiu construir entre seus apoiadores, mesmo quando suas propostas eram amplamente consideradas polarizadoras e até destrutivas.

O surgimento do fenômeno Trump, e de outros extremistas pelo mundo, tem preocupado especialistas, especialmente de ciências políticas e sociologia, em busca de explicações e de possíveis remédios para proteger as democracias. Embora diferentes explicações tenham sido apresentadas, nenhuma delas, isoladamente, consegue explicar as causas sistêmicas do comportamento de eleitorados que migram para propostas mais extremistas, notadamente nos Estados Unidos, dado que esse país, até bem pouco tempo atrás, estava entre as chamadas democracias plenas ou avançadas, embora sempre com notas limítrofes (Democracy Index of The Economist Intelligence Unit (2).  Desde 2016, quando aconteceu a vitória de Trump, a democracia dos Estados Unidos passou a integrar o rol das democracias imperfeitas no mundo, com nota abaixo de 8, em uma faixa que vai de 0 (países extremamente autoritários) a 10 (democracias plenas).

Parece ser um denominador comum que o declínio das democracias pelo voto acontece com o êxito de extremistas ou candidatos que se apresentam contra o “sistema” em contextos de profundo descontentamento popular com a governança pública e com o sistema político vigente. As narrativas extremistas não apenas espelham, mas também inflamam sentimentos de insatisfação.

Estudos apontam que níveis elevados de descontentamento e desconfiança com as instituições políticas e com próprio sistema político, favorecem o voto “antissistema” (3). Mais e mais pessoas ficam muito bravas quando reiteradamente recebem notícias de privilégios e benefícios desproporcionais dentro do sistema político e da burocracia pública. Isso, com razão, enfraquece tremendamente, a percepção de legitimidade do Estado. Como resultado a narrativa de que esse o poder público protege o bem comum entra em descrédito, abrindo espaço para oportunistas e extremistas que fazem promessas vazias, dado que a solução nunca é simples.

No Brasil, assim como nos Estados Unidos, há um problema de descontentamento elevado com o sistema político e isso deveria inspirar muito cuidado por parte de todos os setores que têm interesse em fortalecer a democracia. Esse sentimento de desconfiança é reforçado diariamente pelo noticiário que nunca encontra dificuldades em localizar irregularidades ou privilégios no âmbito do Estado. Por exemplo, em 4/11, a UOL trouce uma manchete sobre supersalários de integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), com direito a 10 folgas mensais. Ironicamente, este é o órgão responsável por fiscalizar a regularidade dos gastos públicos na esfera federal (4). Claro que esse tipo de privilégio corrói a confiança no Estado e amplia a percepção de que tem muita coisa errada com o país.

Não se trata de justificação do voto em candidatos extremistas, mas de um alerta para que as instituições assumam suas responsabilidades sobre o efeito danoso de práticas auto interessadas e corporativas que corroem a percepção de legitimidade do Estado. Esse alerta também vale para a sociedade civil, que tem papel crucial no sentido de pressionar as instituições públicas e privadas para reavaliarem suas práticas. A questão é saber como fazer isso. Por onde começar? Na próxima semana, vamos pensar sobre o que é sociedade civil e sobre a forma como podemos criar efeitos de pressão nas estruturas do Estado.

 

Fontes:
(1)
UOL Notícias

(2) https://ourworldindata.org/grapher/democracy-index-eiu?tab=chart&country

(3) https://www.redalyc.org/journal/238/23859428002/

(4) https://tab.uol.com.br/videos/2024/11/04/supersalarios-e-10-folgas-no-mes-os-privilegios-de-ministros-do-tcu.htm

 

 

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