Campo do mercado e a corrupção
15/7
Faltam 79 dias para 2/10. A reflexão de hoje é sobre o campo do mercado, cujas posições de maior influência compõem o campo do poder.
Qual a lógica das práticas de quem integra o mercado? Qual é a força motriz que permeia as práticas e as decisões? Se você pensou em lucro, acertou. Sim, essa é a lógica do mercado. Trata-se do único campo social em que a motivação está livre para ser o puro interesse pessoal, sem qualquer mediação. Os mercados financeiros são a prova máxima dessa lógica. Isso ficará bem claro quando se compara com o campo da arte.
Ainda que o artista fique feliz em receber prêmios e ser bem-sucedido economicamente, sabemos que se a motivação for o dinheiro, rapidamente o campo da arte percebe e o artista recebe a denominação de “comercial”, o que desvaloriza a obra e o artista, porque a lógica da arte é a criação, a conexão que permite trazer a tona e ao público algo maior.
O interesse pessoal nos remete à competição e à sobrevivência, não da espécie humana ou da sociedade, mas de cada um dos indivíduos. Essa lógica, desenvolvida ao longo de alguns séculos, nos coloca agora no século XXI diante de gigantescos centros de poder econômico que apequenam todos os demais campos e os contaminam com a sua lógica, nos trazendo um risco civilizatório. Ao mesmo tempo, impões um processo, com o auxílio de todos nós, que amplia a desigualdade social e se apropria do conhecimento que a humanidade desenvolve ao longo dos anos, na forma de propriedade tecnológica.
O filósofo Yuval Harari, em seu último livro, discute esse enorme desafio contemporâneo, em que nós, com o nosso trabalho e a história do desenvolvimento científico-tecnológico, fornecemos o instrumental para que sejamos supérfluos para uma produção cada vez mais automatizada. Segundo aquele pensador, o mercado daqui a pouco vai precisar de pouca gente e a renda vai se tornar um problema sério para a imensa maioria das pessoas.
Então, a neutralidade do mercado, referendada o tempo todo por declarações dos grandes bancos, dos organismos multilaterais de mercado, das grandes escolas do mercado (Harvard, London School e Science-Politique) e dos grandes meios de comunicação, reflete muito mais um encantamento do próprio campo do que qualquer realidade.
Além de termos de compreender esse movimento de acumulação próprio da lógica do mercado, devemos também refletir sobre as conexões que o mercado estabelece com os demais campos sociais. Ele sempre leva junto o seu interesse. Na conexão com a política, o mercado, por exemplo, financia as campanhas eleitorais. E cá entre nós, no Brasil, a proibição de doação de pessoas jurídicas só piora as coisas para nós que queremos saber como o mercado está jogando com a política. Por exemplo, as pessoas físicas podem doar, até um percentual, claro, mas sem limite.
Se um percentual for aplicado a minha renda irá representar um valor bem pequeno, mas sobre o percentual aplicado à renda de uns poucos bilionários ou de “laranjas” de grandes empresas o valor pode ficar astronômico e sem que possamos sequer contar essa história. E por que o mercado tem interesse em financiar os governantes e os parlamentares? Por conta da influência sobre as decisões políticas e sobre a burocracia. Especialmente a influência do mercado se faz sentir na aprovação de leis que a eles interessam e nas decisões do judiciário.
E a conexão do mercado com a sociedade civil? Já desde os anos 90, vem se contrapondo às políticas sociais e ao estado de bem-estar social em todos os países do mundo. Em lugar dessas políticas o mercado traz a narrativa de responsabilidade social e de sustentabilidade. Aonde que isso vai nos levar, qual o limite para o mercado? Penso que a lógica do mercado precisa e pode ser contida pela lógica e pela força da sociedade civil. Mas isso é conversa para outro dia!